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A despedida. Foto: João Sassi |
Delineada sob a perfeição milimétrica dos traços do arquiteto, como descreve a poesia que destaca o seu céu, a narrativa estética de Brasília desde os seus primeiros blocos mostrou-se tão pragmaticamente diagramada de forma a causar irreverência em qualquer Corbusier. A cidade que vem entre versos e inversos, entre eixos, tesouras, quadras, cigarras, caules e secas, hoje compõe um enredo de fazer chover em tempo no qual o comércio e a residência antes tão bem diversificados e segredados por referida arquitetura, hoje se confluem através de uma massa social organizada para instaurar o silêncio com seu próprio ruído gritado e intolerante.
A cidade planejada, com estrutura organizacional pertinente para tal, cresceu culturalmente entre espaços metrificados. Dentre eles, num soar dos tambores, na resposta do pandeiro, no chorinho chorado de um cavaco tímido e na cantada macia da zabumba. Somou livros, bocas e metais, ganhou amplificação, vitrola, flauta e viola. Multiplicou-se em uma roda grande e bonita, fez verso e ciranda, canto, poema; abraçou compositores, músicos, instrumentistas, tudo do bom pra tudo que é artista da arte de amar. Cresceu, ganhou cores e mitos, e se espalhou pelas escalas literalmente enquadradas de uma Brasília que, não se sabia, proíbe di(versi)ficar.
Um dos principais frutos de referida essência artística, o Balaio foi, então, enquadrado. Espaço configurado em quadra comercial, desenhada para tal fim, longe das quadras residenciais o suficiente para desafiar qualquer decibel de alcançar ouvidos de transeuntes de menor amor, o Balaio capitaneou sua identidade como um dos mais importantes centros de fazer cultural da Capital. Apoiado e frequentado por toda sorte da mais bonita humanidade, cresceu como um inestimável e imprescindível espaço de produção artístico-cultural, de congregação de ideais, de militância, resistência, diversidade e enfrentamento político a pautas sociais, por exemplo. Entretanto, sua amplitude de reconhecimento e criação de um fazer artístico mais humano nas asas de um avião que vem desligando suas turbinas a cada decisão arbitrária e culturalmente irresponsável do IBRAM e adjacências, foi ofuscada pela carimbo de uma Brasília autoritária.
Foi na Praça dos Prazeres, como ficou conhecida a praça que divide comércios com o Balaio Café, na 201 Norte, que cada um e cada uma dos seus mais inconformados (as) levaram seu último sorriso para confraternizar com o tudo que compôs um todo dia repleto de cores e diversidades. Um domingo de sol e saudade trouxe a cada um de nós um pouco dos tambores, do forró, do dançar agarradinho, do suor compartilhado, das métricas declamadas, das bocas beijadas, dos abraços ameaçados e dos olhares que resgatam ali histórias e estórias de uma Brasília que se esvai.
Um posfácio tímido de lembranças da despedida observado em letras enumera a reunião dos principais integrantes – clientes, músicos, amigos, filhos, curiosos e demais protagonistas da defesa da cena artística no cenário contemporâneo que condena música enquanto ruído, teatro enquanto afronta, poesia enquanto algazarra de loucos – dançando um interminável carnaval madrugada afora. Contrariando a luta conservadora que culminou no fechamento do Balaio, a sua despedida foi uma festa à fantasia: vestimos a cultura em milhares de risos incontidos exalando saudade e vontade de começar tudo outra vez. Na resistência, Balaio, presente! Que 2016 nos seja leve.
Por Dara Ferreira.